domingo, 14 de outubro de 2012

DISCURSO AOS INFIÉIS




Por que chorar de saudade,
se me resta o longo mar sonoro e vário,
a flor perfeita, a estrela certa,
e a canção que o pássaro vai bordando no vento?

Por que chorar de saudade,
se me resta um jardim de palavras,
e os bosques do eco
e estes caminhos da memória me pertencem?

Por que chorar pelo que me levais,
se é maior o que fica:
se a sombra em que vos recordo é mais bela que o vosso vulto,
se em vós morreis e em mim ressuscitais?

É melhor não ficar jamais com quem nos ama.
O amor é um compromisso de grandeza,
o amor é uma vigília incansável
e aparentemente vã.

Passai, parti, deixai-me, vós que, no entanto,
parecestes um momento mais adoráveis
que o mar, que a flor, que a estrela,
que a canção que um frágil pássaro vai bordando no vento...

Éreis o vento, apenas.

(Cecília Meireles In Poesia Completa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...